12 de março de 2021 - por Daniel Dias e Gabriel Dias, com a Wikipédia
O Dias ao Volante dá continuidade à seção “Memórias das Estradas”, sempre com um modelo que se tornou clássico entre os brasileiros. Desta vez é nada menos que o Fusca, o carro mais conhecido do planeta em toda a história da indústria automotiva.
Fusca, Fuca, Fusquinha e Volks para os brasileiros, o mais famoso carro do século passado surgiu como Volkswagen sedã. O nome “Fusca” nasceu como uma forma fonética de como os brasileiros pronunciavam o alemão “Volks” (carro), lembrando que no idioma germânico o “V” tem som de “F”. “Volkswagen” nada mais é que a tradução de “carro do povo”, que inclusive foi o nome de uma das principais revendas da VW de Porto Alegre.
Com quase 22 milhões de unidades produzidas no mundo – “perde” para o Toyota Corolla (mais de 44 milhões) -, o Fusca virou paixão em qualquer parte por onde passou, e ainda passa. Mas ele virou mito mesmo foi no Brasil. O Fusquinha foi o primeiro carro de três gerações e o primeiro veículo a ser dirigido por milhões de brasileiros.
O carro mais famoso do mundo conta com o maior número de clubes de aficionados, que escolheram o 20 de janeiro como sendo o “Dia do Fusca”, por ter sido nessa data o início de produção do carro no Brasil, em 1954. O Fusca tem uma incontável coleção de apelidos, mas poderia ser bem associado a “Pé de Boi”, por sua incrível capacidade de robustez, simplicidade da mecânica e resistência. Quem nunca ouviu a expressão “se o motorista tiver um alicate, uma chave de fenda e um arame, jamais ficará pelo caminho com um Fusca”? E ela representa a mais pura verdade.
O Nascimento
A origem do Volkswagen sedã é envolta de muitas lendas e fatos realmente verdadeiros. O projeto começou a ser esboçado nos anos 30 na Alemanha, tendo como um de seus cabeças o genial austro-alemão Ferdinand Porsche. Entre muitas idas e vindas, o projeto do Fusca sempre acabava caindo no colo de Porsche, que pode ser considerado como o pai do Fusca. E foi com a ascensão do tirano Adolf Hitler – é essa é a única vez que seu nome será citado nesta reportagem -, que já esboçava sua funesta companha para tentar mandar no mundo, que o projeto ganhou seu maior empurrão.
Desde jovem, o sanguinário austríaco de nascimento tinha como uma de suas paixões os automóveis. Para ajudar em sua propaganda nazista, pediu para que fosse feito o projeto de um carro desenvolvido e construído na Alemanha e oferecido com preço mais popular para a “raça superior” (como ele chamava seus cegos súditos) andarem pelas recentemente inauguradas “autobans”. Para os projetistas, foi pedido que o carro tivesse capacidade para transportar dois adultos e três crianças no banco de trás (a média das famílias alemãs à época), fosse barato para a população, ainda carente de recursos após a derrocada do país na Primeira Guerra Mundial, e que tivesse uma construção robusta, simples e duradoura.
O projeto vencedor
Entre vários projetos, o vencedor foi o chamado VW30, que tinha todas as principais características que permaneceram até o final de sua trajetória: formato de besouro (daí o apelido de “beetle”, besouro em inglês) e mecânica simples e robusta, tendo como o alicerce o motor refrigerado a ar colocado na traseira do veículo. O carro só não era barato, como se viu nos anos seguintes.
Para a construção do Volkswagen sedã, foi aberta uma fábrica para tal empreendimento. Ou seja, o Fusca talvez seja o único modelo que veio antes de uma fabricante. Surgiu então a Volkswagen na Alemanha Nazista. Com o início da Segunda Guerra Mundial, o projeto do Fusca foi interrompido para que a indústria do país dedicasse tempo integral e esforços para armar os exércitos. Com o término do conlito mundial, a Volkswagen tinha uma grande encrenca nas mãos: “O que fazer com o Volkswagen sedã?”
Se livrando do“pepino”
Após a guerra, a Alemanha fora dividida em zonas que ficaram sob controle dos Aliados. A zona em que ficava a fábrica da Volkswagen, complexo chamado de “Cidade KdF”, rebatizada após a guerra de “Wolfsburg”, ficou na parte controlada pelos britânicos. O comando da fábrica ficou nas mãos do major Ivan Hirst, que se tornaria um apaixonado pelo Fusca. Os britânicos, sem saber exatamente o que fazer com a fábrica, acabaram por reativar a produção em agosto de 1945, para produzir carros para as forças de ocupação e para o serviço público alemão. Apesar dos intensos bombardeios sofridos pela fábrica durante a guerra, grande parte das ferramentas havia sido movida para os porões, tornando a retomada da produção algo relativamente simples. Nesse período, surgiram algumas variações interessantes do Fusca, como picapes e furgões, utilizadas em serviços públicos como hospitais e correios.
No entanto, os britânicos não desejavam administrar para sempre a fábrica e tinham de encontrar uma forma de passá-la para o governo alemão. A solução foi chamar o antigo dirigente da RDA (a fábrica governamental responsável pela construção de veículos na Alemanha) e inimigo do Fusca nos seus primeiros tempos, o alemão Heinz Nordhoff, para assumir a fábrica. Nordhoff assumiu em janeiro de 1948, com carta branca de Hirst, e ficou no cargo até sua morte, em abril de 1968. Logo, Nordhoff percebeu que a única forma de expandir a fábrica e gerar empregos para os alemães no pós-guerra era exportar os Fuscas, pricipalmente para os EUA. Lá, os Fuscas se tornaram uma paixão, mesmo sem muita propaganda, que era feita de boca a boca, entre os apaixonados pelo “carrinho”.
Nem sempre o menos caro
O Fusca não foi sempre o mais barato dos carros e de fato vendeu pouco nos primeiros anos de importação/produção na maioria dos vários países onde a Volkswagen se instalou. Em 1949, a marca alemã firmou um acordo com a norte-americana Chrysler para que suas rede de concessionárias vendesse o Fusca. Naquele ano, apenas dois exemplares foram vendidos nos EUA. As razões para esse início tímido variam. Alguns países tinham um embargo contra produtos alemães, e uma fábrica na Irlanda foi construída para contornar a situação. Sem a vantagem de uma produção em larga escala, o custo do carro não seria viável. E, além disso, os consumidores estavam acostumados a diferentes paradigmas de produção, e estranhavam muito a configuração incomum do carro, com seu motor traseiro e sua forma arredondada, sem radiador.
A reação fulminante
No entanto, logo que as dificuldades econômicas foram superadas, rapidamente a fama de “indestrutível” do carro começou a se disseminar, ajudada pela mecânica simples (menos coisas para darem errado), pela oferta e esquema de distribuição de peças sobressalentes e, principalmente, pelo marketing da Volkswagen, que soube capitalizar sobre a resistência do Fusca. A partir desse momento, o Fusca dominou sua fatia de mercado na maioria dos lugares onde foi lançado, ajudado pela precariedade dos concorrentes diretos e pelo crescimento econômico dos países vitoriosos na Segunda Guerra Mundial, especialmente os EUA. A Volkswagen aproveitou para expandir a linha de veículos (todos ainda com refrigeração a ar), como a Kombi e o Karmann Ghia. Além disso a facilidade da mecânica permitia alterações personalizadas, abrindo caminho para adaptações feitas por empresas independentes.
No Brasil
A partir de 1950, o Volkswagen sedã começou a ser importado pelo Brasil. No dia 11 de setembro, desembarcaram no Porto de Santos trinta Fuscas, permanecendo por lá, em exposição para o público. O sucesso foi imediato, os veículos avaliados em 20 mil cruzeiros, foram vendidos por até 60 mil cruzeiros cada um. O modelo importado era o conhecido “Split Window”, com o vidro traseiro dividido em duas partes. O Fusca foi primeiramente montado pelo sistema CKD (com as partes vindas da Alemanha) a partir de 1954 e produzido inteiramente no Brasil em 1959.
1966: o Fusca perde o brasão no capô. Naquele ano, a Volkswagen assumiu o controle da Vemag, encerrando as atividades da concorrente em 1967. Em outubro de 1966, já como modelo 1967, o Fusca ganha vidro traseiro 20% maior e depois limpador de para-brisa (novos braços e palhetas) parados no lado do motorista. Ainda tinham motor 1200 cc e tampa traseira com maçaneta de girar.
1967: a Volkswagen lança o motor 1300 cc com 46 cavalos no lugar do antigo 1200 cc de 36 cavalos. Nas propagandas, apareciam os carros com uma cauda de tigre saindo da traseira em alusão à maior potência.
1968: o Fusca ganha retrovisor externo de série, modelo “bracinho”. Câmbio com novos sincronizadores na primeira e segunda marchas e novos rolamentos com gaiola plástica nas engrenagens do câmbio.
1969: ganha espelhos tipo “raquete”. Embora se acostumou a dizer que o Fusca de 1954 a 1969 só tenha mudado o vidro traseiro e o para-brisa, nesse período, foram feitas mais de 2,5 mil mudanças no motor e em outras partes do carro.
O novo Fusca
A produção do Fusca no Brasil foi encerrada em 1986, sendo retomada em 1993 por um decreto assinado pelo então presidente Itamar Franco. A volta, porém, foi melancólica, com o Fusca se despedindo de vez em 1996 devido ao baixo volume de vendas, pois o veterano modelo não conseguia mais fazer frente no mercado de populares aos modelos mais “modernos”. Mas o Fusca foi realmente modernizado, com o New Beetle, que também se tornou um sucesso, longe, claro, do fenômeno alcançado pelo primogênito da Volkswagen.
Embora tenha até ganhado o nome de Fusca no Brasil nos seus últimos anos de vida, o Beetle é outro carro. Em 1997, o mundo conheceu então o New Beetle, com formas idênticas às do modelo antigo, porém, com mecânica, suspensão e plataforma do Golf de quarta geração. Assim, o velho motor traseiro refrigerado a ar de quatro cilindros opostos (boxer) em posição longitudinal foi deixado de lado em favor de um propulsor dianteiro refrigerado a água, de configuração em linha e em posição transversal. Entretanto, de Fusca, o Beetle tem só a “casca” do besouro.